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Capítulo 3 – A Desilusão e o Desapego de Cañculā

I – A Grandeza (Glória) do Śivapurāṇa




Capítulo 3 – A Desilusão e o Desapego de Cañculā



Śaunaka disse –



I:3:1 – Oh Sūta de grande intelecto, você é extremamente abençoado e onisciente. Por sua graça eu estou contente e saciado repetidas vezes.
I:3:2 – Minha mente se alegra muito ao ouvir esta antiga anedota. Por favor, narre outra estória que igualmente aumenta a devoção a Śiva.
I:3:3 – Em nenhum outro lugar do mundo estão aqueles que bebem o néctar homenageado com a liberação. Mas em relação ao néctar da estória de Śiva é diferente. Quando bebido, ele imediatamente confere a salvação.
I:3:4 – Você é abençoado, abençoado de fato. Abençoado, abençoado é a estória de Śiva ouvida pelo qual um homem alcança o Śivaloka.

Sūta disse –

I:3:5 – Oh Śaunaka, por favor, ouça o que eu tenho a lhe dizer, embora um grande segredo, uma vez que você é o primeiro dentre os escolares Védicos e um importante devoto de Śiva.
I:3:6 – Existe uma vila a beira-mar chamada “Bāṣkala”16 onde pessoas pecaminosas, desprovidas de virtudes Védicas, residem.
I:3:7 – Elas são perversas e libertinas com um enganoso meio de vida, ateístas, agricultores que portam armas e adúlteros trapaceiros.
I:3:8 – Elas não sabem nada sobre o verdadeiro conhecimento, desapego ou a verdadeira virtude. Elas são brutais em suas constituições mentais, e têm um grande interesse em ouvir fofocas e calúnias pecaminosas.
I:3:9 – Pessoas de diferentes castas são igualmente trapaceiras, nunca se dedicando aos seus deveres. Sempre atraídos para os prazeres mundanos, eles estão sempre mergulhados em ações maléficas ou outras.
I:3:10 – Todas as mulheres são igualmente desonestas, mundanas e pecaminosas. De má conduta, de baixa moral, elas são desprovidas de bom comportamento e de uma vida disciplinada.
I:3:11 – Na vila Bāṣkala, no povoado de pessoas malévolas, existia um Brāhmaṇa inferior chamado Binduga.
I:3:12 – Ele era um pecador perverso que trilhava caminhos miseráveis. Embora ele tivesse uma bela esposa, ele vivia enamorado de uma prostituta. Sua paixão por ela perturbava completamente a sua mente.
I:3:13 – Ele abandonou sua devotada esposa Cañculā e se entregou em frivolidades sexuais com a prostituta, completamente dominado pelas flechas do Cupido.
I:3:14 – Muitos anos assim decorreram sem que ele se afastasse de suas ações maléficas. Com medo de transgredir sua castidade, Cañculā, embora ferida pelo Cupido, cansou-se de seu pesar (calmamente por um curto tempo)
I:3:15 – Mas depois, quando sua saúde vigorosa e a sua energia tempestuosa cresceram, a investida do Cupido se voltou extremamente insustentável para ela e a fez deixar de cumprir rigorosamente a sua conduta virtuosa.
I:3:16 – Ignorada por seu marido, ela começou a ter relações sexuais com seu amante à noite. Caída de suas virtudes Sattvicas, ela declinou para o caminho do mal.
I:3:17 – Oh sábio, uma vez ele viu sua esposa amorosamente em união sexual com o amante dela à noite.
I:3:18 – Vendo sua esposa assim, contaminada pelo amante à noite, ele avançou contra eles, furiosamente.
I:3:19 – Quando o amante enganador e malandro soube que o perverso Binduga tinha retornado para casa, ele fugiu do local imediatamente.
I:3:20 – O perverso Binduga segurou sua esposa e com ameaças bateu nela repetidas vezes.
I:3:21 – A mulher perversa e indecente, Cañculā, assim espancada por seu marido, tornou-se enfurecida e falou para seu perverso marido.

Cañculā disse –

I:3:22 – Você é um espírito imundo, pois se entrega em atos sexuais com uma prostituta todos os dias. Você me descartou como sua esposa, mesmo pronta para te servir com meu corpo jovem.
I:3:23 – Eu sou uma jovem dotada com beleza e com a mente agitada por desejo. Diga-me, que outro caminho eu posso tomar quando meu marido me nega amor?
I:3:24 – Eu sou muito bela e agitada com o rubor fresco da juventude. Privada de sexo com você, eu vivo extremamente angustiada. Como posso suportar os tormentos da paixão?

Sūta disse –

I:3:25 – Aquele Brāhmaṇa inferior, quando ouviu isto de sua esposa, insensato e avesso aos seus próprios deveres, disse a ela.

Binduga disse –

I:3:26 – De fato é verdade o que você disse com a sua mente agitada pela paixão. Por favor, ouça-me, querida esposa, irei dizer-lhe algo que será para o seu benefício. Você não precisa ter medo.
I:3:27 – Vá em frente com seu passatempo sexual com qualquer número de amantes. Nenhum medo deve entrar em sua mente. Extraia tanta riqueza quanto puder deles e dê a eles suficiente prazer sexual.
I:3:28 – Deve entregar toda a quantia para mim. Você sabe que eu sou apaixonado por minha concubina. Assim, nossos mútuos interesses estarão assegurados.

Sūta disse –

I:3:29 – Sua esposa Cañculā, ouvindo as palavras de seu marido, ficou extremamente agradada e consentiu em realizar este vicioso propósito.
I:3:30 – Assim, estando ambos em acordo em relação a este abominável contrato, estas duas pessoas – o marido e a esposa – destemidamente seguiram adiante em maléficas ações.
I:3:31 – Muito tempo foi desperdiçado assim pelo tolo casal que se satisfazia em atividades viciosas.
I:3:32 – O perverso Binduga, o Brāhmaṇa com uma mulher Śūdra por sua concubina, morreu depois de alguns anos e foi para o Inferno.
I:3:33 – O sujeito tolo suportou angustia e tortura no Inferno por muitos dias. Em seguida, ele se tornou um fantasma na montanha Vindhya, continuando a ser terrivelmente pecaminoso.
I:3:34-35 – Depois da morte de seu marido, o perverso Binduga, a mulher Cañculā permaneceu em sua casa com seus filhos. A tola mulher continuou com seus prazeres amorosos com seus amantes até não possuir mais o charme da sua juventude.
I:3:36 – Devido a intercessão divina, aconteceu que em uma ocasião auspiciosa, ela teve a chance de ir para o Templo Gokarṇa17 na companhia de seus parentes.
I:3:37 – Casualmente, passeando aqui e ali com seus parentes, ela tomou seu banho em uma lago santo, como uma rotina normal.
I:3:38 – Em um certo Templo, um erudito de sabedoria divina, estava conduzindo um discurso sobre a sagrada estória do Śivapurāṇa, um pouco do qual aconteceu dela ouvir.
I:3:39-40 – A parte que chegou aos ouvidos dela era sobre a circunstância de como os serviçais de Yama haviam introduzido um ferro em brasas na vagina de uma mulher que tinha relações com seus amantes. Esta narrativa feita pelo Paurāṇika para aumentar o desprendimento, fez a mulher estremecer de medo.
I:3:41 – No fim do discurso, quando todas as pessoas foram embora, terrificada, a mulher se aproximou do Brāhmaṇa escolar  falou a ele em confidência.

Cañculā disse –

I:3:42 – Oh, nobre senhor, por favor, ouça as atividades desprezíveis que eu realizei sem conhecimento dos meus reais deveres. Oh, senhor, ouvindo o mesmo você irá ter piedade de mim e me levantar.
I:3:43 – Oh, senhor, com uma mente completamente iludida, eu cometi muitos grandes pecados. Cega pelo desejo, gastei toda a minha juventude em prostituição.
I:3:44 – Hoje, ouvido seu discurso instruído abundante em sentimentos de não apego, tornei-me extremamente terrificada e eu me estremeço muito.
I:3:45 – Desgosto meu, a pecadora tola de uma mulher iludida pela luxúria, censurável, apegada aos prazeres mundanos e avessa aos meus próprios deveres.
I:3:46 – Sem saber um grande pecado que produz extrema aflição foi cometido por mim por um vislumbre de um prazer evanescente, uma ação criminal.
I:3:47 – Ai de mim! Eu não sei qual terrível objetivo isto me levará. Minha mente sempre esteve envolta nos caminhos do mal. Que homem sábio virá em meu socorro?
I:3:48 – No momento da morte, como enfrentarei os terríveis mensageiros de Yama? O que sentirei quando eles amarrarem laços em meu pescoço?
I:3:49 – Como suportarei as picadas no Inferno do meu corpo em pedaços? Como suportarei a especial tortura que é excessivamente dolorosa?
I:3:50 –  Eu lamento a minha sorte. Como posso seguir pacificamente com a atividade dos meus órgãos dos sentidos durante o dia? Agitada com a miséria, como obter um sono tranquilo durant a noite?
I:3:51 – Ai de mim! Estou perdida! Estou queimando! Meu coração está despedaçado! Eu estou condenada em todos os aspectos. Eu sou uma pecadora de todas as coisas.
I:3:52 – Oh Destino desfavorável! Você direcionou minha mente ao longo do caminho do mal. Com uma odiosa obstinação você me fez cometer grandes pecados. Eu fui desencaminhada do caminho do meu dever que me concederia toda felicidade.
I:3:53 – Oh Brāhmaṇa, minha dor presente é milhões de vezes maior do que de um homem amarrado à estaca do topo de uma elevada montanha.
I:3:54 – Meu pecado é tão grande que não pode ser de modo algum lavado até mesmo se eu fizer abluções no Gaṅgā por centenas de anos, ou até mesmo se eu realizar centenas de sacrifícios.
I:3:55 – O que eu deveria fazer? Onde devo ir? A quem recorrer? Estou caindo no oceano do Inferno. Quem pode me salvar neste mundo?
I:3:56 – Oh nobre senhor, você é o meu preceptor. Você é minha mãe. Você é meu pai. Eu busco refúgio em você. Eu estou em uma condição deplorável. Levante-me; levante-me.

Sūta disse –

O inteligente Brāhmaṇa misericordiosamente levantou Cañculā que estava desgostosa (com seus assuntos mundanos) e que tinha caído aos seus pés. Aquele Brāhmaṇa, então, falou (como se segue).



Fim do Capítulo 3 – A Desilusão e o Desapego de Cañculā

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16 – Bāṣkala grama – Cf. SK III.iii.32.50. Não foi possível identificar e localizar esta vila.
17 – Gokarṇa – literalmente “orelha da vaca”. É um local de peregrinação sagrado a Śiva, na costa Oeste, próximo a Mangalore. Foi o templo de Mahādeva, supostamente estabelecido por Rāvaṇa.

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